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segunda-feira, 23 de março de 2020

O poço | O segredo está no livro Dom Quixote

Hoje vamos falar sobre o filme que tem mexido com a cabeça da galera

Olá caramujos, cês tão bonzinho?

Confesso pra vocês que escrever este post me deixou muito feliz, afinal não é sempre que somos presenteados com uma produção com tamanha complexidade em seu roteiro, eu particularmente me deliciei com cada metáfora e cada detalhe presente nas entrelinhas dos diálogos, para mim assistir este filme foi como encontrar um joia rara em meio ao magma.



Título: O poço
Formato: Filme
Ano produção: 2019
Duração: 1h 34m
Dirigido por: Galder Gaztelu-Urritia
Gênero: Suspense| Terror | Ficção cientifica
Elenco: Iván Massagué, Antonia San Juan, Zorion Egileor
Sinopse: Em uma prisão onde os detentos nos andares de cima comem melhor do que os que estão abaixo, um homem decide fazer algo para mudar essa situação.

Sobre o filme 

Goreng acorda em uma cela depois de por livre e espontânea vontade se submeter a um programa que lhe possibilitaria deixar de fumar, ler seu livro e ainda lhe daria direito a um certificado.
Ele não estava sozinho, Trimagasi um velho mal encarado portador de uma samurai plus lhe faria companhia em seu processo de auto gestão.



Por que esse filme é tão complicado de entender?

De maneira pouco minuciosa O poço é claro, objetivo e óbvio, mas a galera por trás da produção deste filme ousou confrontar nossa inteligencia com metáforas, mensagens subliminares e muitas interpretações.
Basicamente este filme vem sendo entendido como uma crítica social uma vez que quem está no topo se alimenta melhor e quem está mais perto do fundo do poço morre sem ter o comer, além de que essa posição se altera levando cada participante a experimentar os dois lados da moeda, uma panacota e uma menina ambas são apresentadas como a mensagem... 
Embora compreender algo tão óbvio seja óbvio 😁 o filme traz muitas pistas e isso pode simplesmente passar desapercebido e me parece que o roteiro foi escrito já prevendo essa falta de atenção nossa.




Minha interpretação 

Para mim o segredo, a chave para toda interpretação está no livro.

Vamos a princípio criar um paralelo entre as situações:

O filme inicia com uma equipe empenhada em produzir pratos de excelência ao seu chefe, a cozinha  onde tudo acontece apresenta-se com tons amarronzados e isso se estende também as pessoas que compõem essa cena, marrom dentro da psicologia das cores pode significar solidariedade tema abordado mais a frente mas também preguiça e imbecilidade, na sequência nos deparamos com um ambiente claustrofóbico e com tons frios onde Goreng  e Trimagasi tem seu primeiro dialogo.
Neste dialogo eles encontram-se no nível 48 do poço local considerado intermediário, Goreng acaba de acordar e muito provavelmente tem todas as dúvidas que eu e você temos, então imagine que iremos descobrir junto com o protagonista o que nos aguarda, Triamagasi é quem domina o dialogo apontando coisas óbvias tanto para Goreng quanto pra nós e é ai que podemos perder o fio da meada, segundo Trimagasi o poço consiste em comer o que se torna fácil ou difícil  baseado em que nível se encontra, em dado momento Trimagasi se recusa a continuar respondendo afinal falar lhe cansa e sente que está oferecendo mais informações do que recebendo e aqui temos o primeiro ponto que merece atenção GORENG NÃO GOSTA DO SILÊNCIO (explicarei mais a frente), e seu parceiro de cela é alguém que não gosta de falar.
Em seguida vemos Goreng explicar porque foi parar ali, ele queria parar de fumar e ler Dom Quixote, Trimagasi se surpreende com o fato de que seu parceiro tenha ido por vontade própria o que não é seu caso, segundo ele os detalhes acabaram fazendo com que ele perdesse a cabeça o que resultou em um assassinato então recebeu a proposta: ir pra um hospital psiquiátrico ou ir para o poço.
Nesse ponto  considero o poço como uma ferramenta psicológica de tratamento/tortura afinal no caso de Trimagasi substituiu um hospício, outra coisa que me faz crer nessa teoria é o livro Dom Quixote, pra quem não conhece a história Dom Quixote era tido como louco, criou seu próprio mundo imaginário e lutava contra monstros que ele mesmo criava em sua mente, além de se empenhar a salvar uma dama imaginária Dulcinéia.
Desta forma eu acredito que o poço esteja dentro da mente de Goreng e ali ele cria seus próprios monstros a fim de lidar com eles.
Quando disse que Goreng não gosta do silêncio me baseei em uma fala que acontece durante a admissão dele no poço quando ele questiona o silêncio que se instala durante a conversa com a atendente, não gostar do silêncio tem um nome chama-se fronemofobia: medo de pensar, por conta disso as pessoas evitam o silêncio o que reforça minha teoria de que ele era meio doido e ao ser colocado na cela com Trimagasi teria seu primeiro monstro sendo confrontado visto que Trimagasi demonstra em sua fala que não prestar atenção aos detalhes poderia arruinar sua vida mas que se atentar demais a eles acabou o levando a um colapso, parece até uma cutucada no telespectador quanto a confusão mental que esse filme proporciona.




Goreng mata Trimagasi e come sua carne o que faz deles um só, mas antes disso parece que nossa Dulcineia já apareceu e chama-se Miharu a moça que procura a criança que aparentemente não existe, enquanto que Trimagasi continua mesmo depois de morto a se comunicar com Goreng mostrando toda racionalidade de sancho pança.
Imogiri é a nova parceira de cela de Goreng ela que foi a responsável por sua admissão agora está ali passando pela mesma agonia que ele, ela mais uma vez faz menção ao livro do rapaz que parece cada vez mais preso a sua própria loucura.
Falar sobre solidariedade espontânea é a função de Imogori e com ela aprendemos uma valiosa lição mudança nunca é espontânea e isso é usado como justificativa para que Goreng esteja ali, mas existe uma conexão que me chamou atenção, Goreng queria parar de fumar e Imorigi tem câncer o que isso tem a ver? Quando Imorigi  conta que tem câncer ela abre a própria camisa deixando aparecer várias marcas na região do tórax/ pulmão, parece que encontramos nosso segundo monstro a ser vencido.



Ao perceber que solidariedade espontânea só se consegue a base de "merda" Imogori se enforca mas volta também junto com Trimagasi confrontando a Goreng, ela o chama de messias e até utiliza  uma passagem bíblica para ilustrar sua fala, a partir de agora ele é o herói.
Antes de morrer Imogori conta a verdade sobre Miharu, ela queria ser um personagem que não era, mais uma cutucada no telespectador quando a Dom quixote e Goreng.
Embora Goreng despedace Imogori não vemos ele consumindo-a mas sim comendo as páginas do livro o que para mim demonstrou claramente o colapso mental de Goreng é como se ele e o fantasioso Dom quixote agora tivessem parte na mesma loucura.


Baharat um notável lunático agora é o novo parceiro de Goreng e com ele planeja chegar ao fundo do poço, para mim Baharat é o reflexo do fim para Goreng que a essa altura do campeonato já viveu a fusão com seus próprios monstros interior.
Na descida ao fundo do poço eles encontram um sábio que diz que a mensagem precisa ser transmitida, sugere devolver uma panacota intacta para a administração, mas... no meio do filme nos deparamos com a mesma equipe de cozinha aparentemente tomando uma bronca porque a panacota voltou, o chefe parece encontrar um fio de cabelo no doce e até reúne seus funcionários para descobrir de quem era, ou seja, no meio do filme a panacota já havia subido, mas depois de falar com o sábio eles seguem protegendo a "panacota" até que uma menina é encontrada no nível 333  e come a "panacota" e então ela passa a ser a mensagem.
Já no fundo do poço Goreng encontra Trimagasi e lhe fala sobre o desejo de voltar com a mensagem mas Trimagasi afirma que a mensagem não precisa mais do mensageiro e ele se perde na escuridão enquanto a menina sobe na plataforma.


Mais curiosidades

Repararam como o rosto de Goreng lembra o rosto de Cristo? Ele é chamado de Messias e as mensagens subliminares não param por ai.
Para trazer a solução necessária para sua vida Goreng chegou ao nível 333 que multiplicado por 2 daria a sequência 666, ou seja, ele foi do céu ao inferno para que houvesse esperança.
Na minha opinião este filme segue duas linhas, a óbvia e a inevidente, e acredito que isso seja completamente intencional, quando vemos Trimagasi falando que o poço se tratava do que comer isso realmente era óbvio por conta disso muitas pessoas entenderam este filme com uma crítica social apenas, onde quem está no topo tem melhores condições mesmo que essa posição não seja permanente, mas quando me dei conta dos pequenos detalhes percebi a provocação do criador deste roteiro, a crítica não é apenas social mas um confronto a nossa miséria pessoal, Goreng não gostava do silêncio isso reflete seu medo de pensar sobre qualquer coisa, pessoas ligam a Tv para desligar seus cérebros, o pensar é apresentado como algo ruim, por prestar muita atenção aos detalhes Trimagasi assassinou um homem.
Parece que posso ver o diretor desse filme de braços cruzados rindo da nossa cara gritando "Que  os jogos comecem", esse filme foi feito pra bugar nossa mente e foi muito feliz nessa missão.

O final

A panacota - aparentemente  chegou na administração mas não causou a revolução que deveria causar.
A menina - na minha opinião mostra a pureza e a sanidade de Goreng sendo restaurada, seja por morte ou por realmente ter recuperado o juízo depois de chegar ao fundo do poço.
O livro - segundo Edith Grossman:

"A questão é que o Quixote tem várias interpretações [...] . Você nunca está certo de que realmente entendeu. Porque assim que você pensa que entende alguma coisa, Cervantes introduz algo que contradiz sua premissa"

Segundo Jonathan Shockley:

"a figura de Dom Quixote representa a essência oculta da cultura humana: a centralidade da loucura heróica e sua ansiedade relacionada à morte em todas as pessoas. A natureza frágil e ilusória (e causadora do mal) das coisas que concedem aos seres humanos convicção e auto-engrandecimento. E o irônico (e finalmente trágico) precisa adquirir essa convicção e auto-engrandecimento para experimentar a bondade, a riqueza e a realidade da vida."

Me diga se não tem tudo a ver  com esse filme.

Bom xuxus é isso desculpem pelo tamanho do post, tive que enxugar o máximo possível sem perder os detalhes importantes.
Por hoje é só até o próximo post.




8 comentários:

  1. Interessante. Há que se notar também a proximidade das feições dos personagens com os de dom Quixote. Concordo plenamente com a ideia do Messias, céu inferno, do paradoxo quixotesco . Há também a discussão sobre o surgimento do herói, visto o momento em que ele decide levar a mensagem. Acredito que a mudança do nome de a plataforma para " o poço" , tenha criado um equívoco do ponto de vista, a ser discutido, na questão da psique por trás da história. A plataforma é para mim o canal para os níveis da mente do indivíduo, no caso, todos nós . Olhar para o fundo do poço ( nossa mente) , achar que temos um nível e depois descobrir que ainda tem mais e muito mais. Por fim chegar ao escuro , obscuro fim do poço e levar a verdade à tona.

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    1. Ótimas colocações, infelizmente muitas pessoas tem olhado para interpretação desse filme de maneira muito engessada onde acredito que a crítica sobre fronemofobia vem bem a calhar.
      Seja muito bem vindo, um abraço.

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  2. Gostei do filme!! Adorei post nota 1000

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  3. Muito boa análise de filme! De fato um autor espetacular.

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  4. Com suas metáforas o filme traz muito insights, e apesar do terrível que nos mostra,consegue nos trazer nova postura de consciência. Muito obrigada!!

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  5. Eu que agradeço pela sua presença por aqui, muito bem-vinda!

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